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HipyNogueiraReis


Fernando Pessoa
Cancioneiro
 
Abdicação
 
Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho. 
                   Eu sou um rei
que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços. 

Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mão viris e calmas entreguei;
E meu cetro e coroa eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços 

Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria. 

Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia. 
 

 
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Fernando Pessoa
 
 
 
 

ALÉM-DEUS
      • Abismo
      • Passou
      • A Voz de Deus
      • A Queda
      • Braço sem Corpo Brandando um Gládio

 
 

I/ ABISMO 

OLHO O TEJO, e de tal arte 
Que me esquece olhar olhando, 
E súbito isto me bate 
De encontro ao devaneando - 
O que é ser-rio, e correr? 
O que é está-lo eu a ver? 

Sinto de repente pouco, 
Vácuo, o momento, o lugar. 
Tudo de repente é oco - 
Mesmo o meu estar a pensar. 
Tudo - eu e o mundo em redor - 
Fica mais que exterior. 

Perde tudo o ser, ficar, 
E do pensar se me some. 
Fico sem poder ligar 
Ser, idéia, alma de nome 
A mim, à terra e aos céus... 

E súbito encontro Deus. 

  II/ PASSOU 

Passou, fora de Quando, 
De Porquê, e de Passando..., 
Turbilhão de Ignorado, 
Sem ter turbilhonado..., 

Vasto por fora do Vasto 
Sem ser, que a si se assombra... 

O Universo é o seu rasto... 
Deus é a sua sombra... 

  III/ A VOZ DE DEUS 

Brilha uma voz na noute... 
De dentro de Fora ouvi-a... 
Ó Universo, eu sou-te... 
Oh, o horror da alegria 
Deste pavor, do archote 
Se apagar, que me guia! 

Cinzas de idéia e de nome 
Em mim, e a voz: Ó mundo, 
Sermente em ti eu sou-me... 
Mero eco de mim, me inundo 
De ondas de negro lume 
Em que para Deus me afundo. 

  IV/ A QUEDA 

Da minha idéia do mundo  
 Caí... 
Vácuo além de profundo, 
Sem ter Eu nem Ali... 

Vácuo sem si-próprio, caos 
De ser pensado como ser... 
Escada absoluta sem degraus... 
Visão que se não pode ver... 

Além-Deus! Além-Deus! Negra calma... 
Clarão de Desconhecido... 
Tudo tem outro sentido, ó alma, 
Mesmo o ter-um-sentido... 

  V/ BRAÇO SEM CORPO BRANDINDO UM GLÁDIO

( Entre a árvore e o vê-la )

Entre a árvore e o vê-la 
Onde está o sonho? 
Que arco da ponte mais vela  
Deus?... E eu fico tristonho 
Por não saber se a curva da ponte 
É a curva do horizonte... 

Entre o que vive e a vida 
Pra que lado corre o rio? 
Árvore de folhas vestida - 
Entre isso e Árvore há fio? 
Pombas voando - o pombal 
Está-lhes sempre à direita, ou é real? 

Deus é um grande Intervalo, 
Mas entre quê e quê?... 
Entre o que digo e o que calo 
Existo? Quem é que me vê? 
Erro-me... E o pombal elevado 
Está em torno na pomba, ou de lado? 
   
[1913?] 

 
Remetente : Lorenza Lakimé Jareski 
smassaroni@gol.com.br

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